O Vestido Rasgado ⋆ Contos para Dormir (2024)

Por: Figueiredo Pimentel em “Histórias da avózinha” – adaptado

O Vestido Rasgado ⋆ Contos para Dormir (1)

Ivone por que veio hoje tão triste da escola? Aconteceu por lá alguma maldade? Não. A professora ficou muito satisfeita com ela.
Foi isto: quando ela se levantou do banco, rasgou o vestido, sem querer.
E que buraco! Dar-se-á o caso que o saiba consertar, sem se ficar aparecendo?
Bem pode ser, porque a mãe (uma pobre lavadeira), quando chega à casa, vem
mortinha de cansaço. Como estava escuro, Ivone acendeu o candeeiro, e foi procurar a
caixa em que a mãe costuma guardar todos os retalhos.
– Aqui está um azul, da cor do meu vestido, pensou Ivone, estendendo o retalho.
Se eu lhe puder meter uma tira!
Despiu o vestido, deitou um chalinho pelos ombros, e pôs mãos à obra, com
tanto afã, que nem deu pela chegada da mãe.
– Aconteceu-te alguma coisa? perguntou-lhe, chegando ao pé da filhinha. Estás a
consertar o vestido? Rasgaste-o? Olha que seria uma desgraça, porque não tens outro,
nem há mais nenhum bocado de pano azul.

– Há sim, minha mãe, respondeu a pequenina, mostrando-lhe o vestido.
– Pois eu julgava que não havia; mas está me parecendo que sabes fazer muito
bem um conserto.
– Já sei, já, respondeu Ivone, brilhando-lhe os olhos.
Naquela noite foi se deitar contentíssima.
De manhã levantou-se, vestiu-se, levou-se, olhou para o vestido, e chegou ao pé
da janela para o examinar de mais perto.
– Olhe! minha mãe! minha mãe! gritou ele em choro; venha cá ver. Pois não pus
uma tira verde no meu vestido azul? Que hei de eu fazer agora? Não posso ir à escola
com esse vestido assim!
– Então, como foi isso? Não sabes que muitas vezes, à luz do candeeiro, o azul
se confunde com o verde, e o verde com o azul? Mas, por causa disso, não hás de faltar
à escola. Use este avental que te esconda a tira.
Ivone vestiu o vestido, e pôs o avental. Qual história! O avental é pequeno
demais, e a tira continuava a ser vista.
– Lembra-me uma coisa, disse Ivone: é pôr a pasta dos papéis mais para trás, e
assim parece-me que não se verá.
Lá foi para a escola, e empregou tanto cuidado todo o dia, que ninguém reparou.
À saída, porém, esqueceu-se da tira. Foi pôr a pasta a um canto do pátio, e
começou a brincar com as colegas. Não brincou por muito tempo, porque dali a
pouco reparou em duas meninas, que olhavam para ela a rir-se. De repente, lembrou-se
do vestido, fez-se muito corada, e sentiu duas lágrimas rolarem-lhe pelas faces. Pegou
na pasta, e saiu.

Eugênia, uma das meninas que tinha feito o comentário do vestido de Ivone, não
voltou muito contente da escola, nem a mãe a ouvia cantarolar, como costumava, pela
escada acima. Não fez senão pensar na colega, que viu sair da escola tão triste.
– Eu é que fui culpada, pensava. Faz-me tanta pena ter-me rido. Mas também
para que foi ela deitar uma tira verde num vestido azul? A falar verdade, era muito
esquisito.
Eugênia pegou na boneca para brincar, mas a boneca não a distraía. Por mais que
fizessem, tinha defronte dos olhos o rosto melancólico de Ivone.
– Foi decerto por ela não ter outra fazenda da cor do vestido; se eu a tivesse, lhe daria.
Correu, então, a casa toda, a ver se a achava. Perguntou à mãe. Tudo em vão.
Pôr mais voltas que deu, não encontrou fazenda alguma azul, senão a do vestido da
boneca. Então pegou nesta, abraçou-a, olhou muito para ela e parecia refletir.
– Minha adorada Ida, disse de repente: bem começo o teu bom coraçãozinho, por
isso te vou pedir uma fineza. Não te lembras da Ivone, que no outro dia vistes em nossa
casa? Hás de acreditar que deitou uma tira verde no vestido azul! Por mais que
imagines, não podes fazer ideia da feiura que ficou. Tenho a certeza de que não
quererias para ti um vestido consertado daquela maneira. Foi decerto por não ter outra
fazenda. O vestido é da cor do teu. Farias tu o sacrifício de lhe dar este, para mudar a
tira? Bem sei que não tens outro para o inverno, mas a nossa casa é quentinha. Não te
parece que, vestindo o teu vestido de verão, e pondo o teu chalinho de lã,
ficarás ainda uma boneca bem elegante?

Ida olhou para a dona, com o sorriso do costume. Pareceu a Eugênia que ela
fazia o sinal de consentir. Despiu-lhe, então, o vestido do corpo, separou a saia, e
pegando nesta, correu à casa de Ivone.
Quando chegou, a porta estava entreaberta.
Antes de entrar, parou um instante, e ouviu Ivone dizer para a mãe:
– Olha! mamãe! Eu não posso tornar à escola com esse vestido!
– Hás de tornar, bradou-lhe Eugênia (abrindo de repente a porta), olha, aqui tens
um bocado de fazenda para consertares. Só Deus sabe o que me afligi por ter sido a
causa de te ver chorar. Não penses mais nisso, não?

Diz a vizinhança que Ivone ficou tão contente, que de tudo se esqueceu daquele
desgosto.
Deitou tira nova no vestido, e no outro dia entrou alegríssima na escola.
Eugênia, pulando de contentamento, voltou para a boneca, encontrando-a a sorrir como
sempre. E desde aquela ocasião, as duas meninas, Ivone e Eugênia, ficaram
amicíssimas.

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